terça-feira, 14 de setembro de 2010

Universo Paralello #10 – Nossas primeiras notas

Universo Paralello #10 – Nossas primeiras notas

Durante a longuíssima escala de quase 4 horas no Aeroporto de Confins, em Belo Horizonte, antes de voltar a Curitiba, pouco havia para fazer além de refletir sobre a intensa semana no Universo Paralello. Tarefa difícil a de revisar o festival. O que incluir e o que ignorar? A única conclusão final possível é a de que as impressões, positivas ou negativas, são intensas.
Da extraordinária decoração da Pista Principal à insipidez da estrutura do Chill Out, da paradisíaca beleza da Praia do Garcez à crônica falta de água, da alegria e união do público ao desrespeito à dignidade nos horrorosos banheiros, das mensagens do público e da organização incentivando o respeito à natureza à notória agressão ecológica ao local pelo público e pela organização, do “quem não tem colírio usa óculos escuros” de Swarup ao “push me and then just touch me ’till I can get my satisfaction” de Felguk.
Tudo isso impossibilita diminuir a avaliação do festival ao “bom ou ruim”, “0 ou 10″, “pior ou melhor”.
Nas linhas acima, pode-se ter noção do caráter misto e contraditório da edição desse ano. Num 2009 escasso em open airs, pleno em perseguição de autoridades e de aparente decadência do psytrance como gênero, já pululam em sites de relacionamento críticas pesadas à edição desse ano.
Isso me lembra algumas palavras presentes no livro “Musiques électroniques: des avant-gardes aux dance floors”, gentilmente enviado a mim pelo autor, o musicólogo Guillaume Kosmicki.  Ao falar da cena Psy Trance, ele afirma (tradução livre) que “as festas de hoje, organizadas em locais exóticos distantes e com entradas caríssimas, criam uma barreira monetária que permite ao publico se isolar em um paraíso festivo, em que persistem ideais rave utópicos, ja despossuídos do espírito de comunhão festiva, sendo hoje o psychedelic trance uma música própria à ‘burguesia boêmia’”.
Concordo com as palavras do autor, aplicáveis em absoluto ao UP. Nao há como se negar que o festival é preenchido por contradições, na qual a que mais se sobressai é o discurso da conservação versus a efetiva degradação ambiental. Embora seja uma experiência de comunhão dos presentes, de fortalecimento e criação de amizades, é, no fim das contas, umfugere urbem dos cosmopolitas entusiastas da música eletrônica. Não afirmo isso – à exceção da degradação ambiental, comum a nos, urbanóides – de maneira pejorativa, mas tão somente como uma constatação de que somos, no máximo, semi-hippies de ocasião.
Essa noção ajuda a explicar as críticas ao festival desse ano: acostumados aos confortos do meio urbano, a maior parte do público do UP sofreu com o nível quase selvagem das condições de higiene.
No útil e bem elaborado manual do festival, não faltaram referências a Woodstock, à Tropicalia, à “contracultura”. Contudo, quando pesamos o bárbaro tratamento dado aos pagantes e o fato de o festival movimentar valores entre 5-10 milhões de reais (estimo), não obstante as belas decorações e inspiradas apresentações, fica uma interrogação: seria essa relação válida ou somente uma comparação com a profundidade de uma epiderme?
Não temos respostas. O que podemos fazer nessas tortas linhas é tão somente dar a você, leitor do Psicodelia, um panorama do indefinível, um vislumbre do que só quem teve o privilégio e o estômago de estar na décima edição do mais importante festival alternativo do Brasil tem alguma consciência. As conclusões ficam para vocês.
Contudo, fica nossa visão pessoal. Mais relevantes que as interrogações que permanecem a respeito da relevância do festival como movimento de resistência da contracultura, do alcance do ideal de união que prega, e da seriedade do compromisso ambiental, são as exclamações. E para nós, amantes da música e da dança, os maravilhosos espaços, a qualidade e poder do som , os bons momentos com os amigos, são exclamações muito mais sonoras do que a falta de privadas.
O UP exige do público paixão e devoção pela música, pois só a irracionalidade intrínseca à noção de amor é que nos permite dizer que, apesar das muitas adversidades, valeu a pena.
E como valeu a pena!

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