sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Psicologia da Transcendência Humana

O ser humano é um ser-no-mundo: só é homem à medida em que está dentro da evidência do sentido do ser. É um ser que não nasce definido, pré-determinado, pré-moldado, mas se constrói e se constitui na experiência histórica. É um ser nunca pronto, inacabado, um ser de projeto. Nasce frágil e ignorante, mas por possuir potencialidades poderá vir-a-ser o mais importante dos seres. É um ser que transcende os limites impostos pela sua corporeidade e pela natureza e é capaz de projetar-se para um-mais-além.
     A trajetória que pretendemos desenvolver nesta reflexão é a de que a transcendência não se limita à dimensão religiosa, mas é constitutiva da própria identidade humana. É a dimensão da transcendência que possibilita ao homem a superação de sua natureza bruta e o transforma em humanidade; é a dimensão da transcendência que impulsiona o ser humano a buscar novas maneiras de viver e sobreviver, de se relacionar com os outros, de criar e recriar a cultura; é a transcendência que possibilita ao ser humano violar o imposto, o proibido, o determinado; é a dimensão da transcendência que vitaliza e nutre o homem a se "erguer das cinzas" e acreditar que é possível um novo tempo, um novo mundo, um novo homem, um novo relacionamento, um novo modelo econômico, uma nova escola, uma nova igreja, uma nova organização política.
     Em seu livro Tempo de transcendência, Leonardo Boff nos diz que o ser humano é um projeto infinito. Apesar da finitude ser inerente à condição humana, pois somos seres que caminhamos para a morte, o homem busca o infinito, e aí reside a dimensão da transcendência. No dizer de Boff, "somos seres de enraizamento e seres de abertura"(imanência/ transcendência). "A raiz nos limita porque nascemos numa determinada família, numa língua específica, com um capital limitado de inteligência, de afetividade, de amorosidade". Esta é nossa dimensão de imanência. "Mas somos simultaneamente seres de abertura", pois ninguém segura os pensamentos, ninguém amarra as emoções, ninguém é capaz de aprisionar-nos totalmente. "Mesmo que os escravos sejam mantidos nos calabouços e obrigados a cantar hinos à liberdade, são livres, porque sempre nasceram livres, e sua essência está na liberdade". Esta é a nossa dimensão da transcendência que nos possibilita romper barreiras, superar os interditos, ir além de todos os limites. 
     Poderíamos citar muitas situações de transcendência. Exemplos que emergem do cotidiano, que são narrados na literatura, na poesia, na ficção, da dramaturgia, nas obras de arte, na música. O próprio Leonardo cita vários na belíssima obra acima referida. Experiências que vão desde o enamoramento até a descrição dramática das memórias de Rudolf Hess, diretor nazista do campo de extermínio de Auschwitz, que mandou mais de um milhão de judeus para as câmaras de gás. Boff capta em suas memórias, escritas antes do seu julgamento em Nuremberg, o momento de transcendência dele. Foi quando mandou para a câmara de gás uma mulher com 5 filhos. A mulher suplicou de joelhos para que ele poupasse as crianças. Ele ficou perplexo por um momento, mas com um gesto brusco mandou que levassem todos. É nesse momento que, no relato das suas memórias, ocorre a transcendência. Ele comenta: "Aquele olhar da mulher não posso jamais esquecer. Ele me persegue sempre, até os dias de hoje, porque havia nele tanto enternecimento, tanta súplica, tanta humanidade, que eu me senti o inimigo da própria humanidade". Eis uma profunda e dramática experiência de transcendência, possível, pelo reverso, até no nazismo mais brutal.
     Encerramos nossa reflexão com as palavras sintetizadoras de Boff: "Creio que a transcendência é talvez o desafio mais secreto e escondido do ser humano. Ele se recusa a aceitar a realidade na qual está mergulhado porque se sente maior do que tudo o que o cerca. Com seu pensamento, ele habita as estrelas e rompe todos os espaços. Essa capacidade é o que nós chamamos de transcendência, isto é, transcende, rompe, vai para além daquilo que é dado. Numa palavra, eu diria que o ser humano é um projeto infinito".
     Questões para debate:
       
  1. O que caracteriza a dimensão da imanência e da transcendência do ser humano?
      
  2. De que maneira podemos cultivar a transcendência em cada um de nós?
      
  3. Que experiências de transcendência já tive em minha vida ou presenciei na vida de outras pessoas?


Por Allonny dos Santos
Waykawa Ichi é Editor do Blog.
allonny-waykawa@hotmail.com
(91) 81639775.

2 comentários:

  1. Eu realmente gostaria de lhe congratular por um texto e um resumo literario de infinita sabedoria e repleto de encanto que neste momento posso vislumbrar.

    o assunto em questao "Trancendência Humana" vista sob o ponto de vista Psicologico eh algo pela qual nutro tamanho gosto e interesse.

    Encontrome neste momento motivado e transbordado de vontades sinceras de descobrir mais e mais sobre o assunto, o meu objectivo, a minha incumbencia eh simples: quero transcender, mais do que em sonhos, mais do em filmes e mesmo apos uma tarde serena passada com amigos e fumar um beck.

    Mas a coisa eh que quero realmente conhecer outros "realms" da realidade, pois acredito nao ser esta a unica possibilidade.

    encontro-me neste momento profundamente imergido em textos, livros, artigos e podcasts do grande Terrence McKenna que tanto contribuiu para este dominio.

    Gostaria de saber e tambem se possivel receber alguma contribuicao da sua parte no que tange a esta perspectiva.

    Conhece Terrence McKenna ?
    Possui algum conhecimento acerca do shamanismo ?
    O que acha de experiencias psicodelicas ?
    Estaria disposta cara escritora de trocar sinceras cartas comigo discutindo experiencias psicodelicas e aventuras shamanistas como talvez um portao para escalarmos o proximo degrau da Transcendencia Humana ?

    Sinceramente, Ayrton Gomes
    Votos sinceros de boa tarde

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