quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Avatar

2. O que é um avatar?

No caso da expressão “avatar”, há sentidos distintos para os orientais e ocidentais. Quem a pronuncia nos países de religião hindu como Índia, Nepal, Bangladesh, Paquistão, Sri Lanka e Indonésia, se refere a uma divindade. Já no ocidente, no contexto dos jogos eletrônicos, o avatar é a representação gráfica do jogador naquele ambiente. Quando separam-se os conceitos em dois eixos não significa que em países orientais as pessoas não compreendam a denominação no mundo digital. Certamente, outras nacionalidades admiradoras dos jogos eletrônicos sabem muito bem diferenciar esses termos. Todavia, o que se quer expressar aqui é uma predominância de sentido para a palavra.

Há algumas discussões sobre a definição ocidental para profissionais de diferentes áreas. As Ciências da Computação,os Game Studies, as Artes e a Cibercultura entendem esse conceito com algumas particularidades. No entanto, em resumo, para todas elas o avatar é o usuário/interator representado em um ambiente virtual.

No cinema, um filme com o nome Avatar, lançado no final de 2009, sob direção de James Cameron. O roteiro é baseado na história da lua Pandora, habitada por animais e humanóides, mas que, no entanto, não permite a vida plena de humanos. Para reverter o problema são criados híbridos dos homens, chamados avatares.


2.1 - A origem do termo avatar

A expressão “avatar” vem do sânscrito e serve para designar o representante corpóreo de uma divindade na Terra1. Há registros de que o termo seja usado há mais de dois mil anos, com a origem da religião hinduísta. Segundo a denominada Doutrina dos Avatares, o deus hindu Vishnu possui dez encarnações ou avatares, entre os quais Krishna e Sidarta Gautama, o Buda, são seus representantes no mundo físico. Como explica Sri Caitanya-Caritamrta:

O Avatãra, ou encarnação da Divindade, desce do reino de Deus para criar e manter a manifestação material. É a forma particular da Personalidade da Divindade que assim que desce é chamada de encarnação, ou Avatãra. Essas encarnações estão situadas no mundo espiritual, o reino de Deus. Quando elas descem para a criação material, assumem o nome de Avatãra. (GOSVAMI, 1973,p. 263-264)

Mesmo a definição sendo oriunda do hindu, estudiosos do tema dizem que Jesus Cristo também seria um avatar, pois representa a encarnação de Deus na Terra, assim como o Buda. Há textos que associam a Doutrina do Avatar a própria Teoria da Evolução de Darwin, como explica o filósofo Sri Aurobindo Ghosh:

O cortejo hindu dos dez avatares é em si mesmo uma parábola de evolução. Primeiro vem o avatar do peixe, depois o animal anfíbio entre terra e água, em seguida o animal terráqueo, depois o avatar do homem-leão constituindo a ponte entre o homem e o animal, depois o homem como anão, pequeno, não desenvolvido e físico [...]. (D’SA, 1993, p. 92)

Algumas semelhanças e diferenças podem ser encontradas entre o uso da palavra no hinduísmo e nos jogos eletrônicos. De um lado tem-se o avatar como uma encarnação e, nesse ponto, há similitude, visto que nos games o interator “encarna” ou vivencia um personagem. Por outro viés, se no contexto religioso a divindade sai de um mundo espiritual e vai para o físico, nos jogos, os humanos de carne e osso é que interagem em um ambiente digital.


2.2 - Apropriação do termo pela Cibercultura
Os escritores de ficção científica parecem vislumbrar o cenário tecno-cultural de diferentes épocas. Um bom exemplo é encontrado em Frankenstein (1817), a criatura que ganha vida através de experimentos do cientista Victor Frankenstein, seu criador. Mais tarde, a invenção assustadora se efetivaria com uma série de produtos resultantes de estudos sobre inteligência artificial, tais como os robôs autômatos que imitam humanos ou animais, como o “Euclid” – uma espécie de oráculo humanóide – e o conhecido o cãozinho de estimação “Aibo” que interage com seus donos, responde perguntas e se movimenta de acordo com os estímulos do ambiente.

Também no livro Neuromancer, de William Gibson (1983), pode-se perceber sinais de um futuro que se consolidaria quatorze anos mais tarde. O romancista descreve pela primeira vez um ambiente de realidade virtual e todas as suas potencialidades, como a capacidade de “plugar-se” a um mundo imaterial, dando um sinal do que no futuro se concretizaria na World Wide Web ou Rede Mundial de Computadores. Na obra, Gibson cria ainda o neologismo “ciberespaço” que, embora não tenha a mesma denotação do proposto, pois nele era possível acessar a mente de outra pessoa, é hoje usado como sinônimo para a Internet.
Assim também o termo “avatar” foi popularizado no campo dos jogos eletrônicos, através da sugestão feita no livro Snow Crash, de Neal Stephenson (1992). Na ficção, o escritor trata de um ambiente virtual tridimensional em rede onde os usuários poderiam adotar personalidades, viver uma outra vida ou apenas estender sua existência. É Stephenson que define:
As pessoas são pedaços de software chamados avatares. Eles são os corpos audiovisuais que as pessoas utilizam para se comunicarem umas com as outras no metaverso. (...) Seu avatar pode ter a aparência que você quiser, limitada somente por seu equipamento. Se você é feio, pode tornar seu avatar bonito. Se você acabou de sair da cama, seu avatar pode estar vestindo roupas bonitas ou maquiagem profissional. Você pode ter o espectro de um gorila, de um dragão ou de um pênis falante gigante no metaverso. Passe cinco minutos descendo a rua e você verá tudo isso. (STEPHENSON, 1992, p. 33-34).
Além de instituir a expressão “avatar” em diversos meios de interação, o romance veio inspirar Philip Rosedale na criação do mundo virtual Second Life, lançado em 2006 com a proposta de simular uma segunda vida. À respeito da leitura, ele diz especialmente que: “Eu me lembro da idéia desse tipo de gênese digital... flutuando no escuro como um avatar” (Rosedale, Apud: AU, 2008, p.38). No livro, o neologismo metaverso é aplicado e, mais tarde, servirá de sinônimo para os mundos de bites e bytes – os mundos virtuais. O próprio Rosedale utiliza a palavra para se referir ao Second Life.

Embora a apropriação do sânscrito tenha se difundido no universo cibercultural somente na década de 90, como “corpos audiovisuais que as pessoas utilizam para se comunicarem umas com as outras no metaverso” (Stephenson, p. 33), o primeiro uso da palavra “avatar” nos games ocorreu em 1977 com o jogo de exploração Avatar – um projeto da Universidade de Essex, nos Estados Unidos. Em 1985, o jogo de role-playing game (RPG) Ultima IV: The Quest of the Avatar, lançou uma trama em que o protagonista precisava conquistar virtudes para conquistar o nome de Avatar. Mais tarde, em 1987, o termo também foi empregado para a versão online do Habitat, o primeiro mundo virtual, cunhando uma convenção para o gênero. O jornalista americano especialista em games, Wagner James Au, relata essa experiência, constatando que os jogadores desses ambientes são avatares:

Ainda não havia 3D, e participar desses jogos era como participar de um desenho animado de baixo orçamento; você se comunicava com outros jogadores (que se chamavam avatares, o primeiro uso conhecido dessa palavra nesse contexto) por meio de balões de diálogos que apareciam sobre sua cabeça de pixels. (AU, 2008, p.28)


Em meio às particularidades de cada campo do conhecimento, as Ciências da Computação consideram os avatares como: “Termo que se refere à representação interativa de humanos em um ambiente de realidade virtual” (Sawaya, p. 39). Com essa afirmativa, nota-se que não é mencionada a representação digital, mas sim a humanóide. Há, ainda, pesquisadores da área mais voltados para o conceito empregado nos jogos eletrônicos: “um avatar é a representação do usuário em um ambiente de computador multiusuário” (Tradução minha2, Gerhard e Moore, 1998).
Todavia, o campo da informática admite que os avatares antropomórficos são melhor aproveitados pelo usuário leigo – visto que suas capacidades já são conhecidas por analogia. “Muitos, para a interação social preferem os avatares humanóides (Becker e Mark, 2002), e a maioria dos programas de computador fazem avatares de maneira especial, em geral não existem obstáculos para ter avatares não-humanos” ( JÄÄ-ARO, Tradução minha3, 2004, p. 35).
Mesmo remetendo muitas vezes a representação antropomorfa, é comum verificar o uso do termo “avatar” por usuários de chats, mídias baseadas exclusivamente em texto e, inclusive, anteriores a própria importação do “avatar” para o contexto eletrônico. Atualmente, utilizadores do Messenger (MSN) se referem a sua “imagem” da tela de bate-papo como avatares. Há sites especializados em design de perfis para esses chats. Em uma busca no Google, foram encontradas 81.300 ocorrências sobre o assunto, em julho de 2009. O estudioso de jogos eletrônicos Fábio Fernandes, no artigo “Ser e Identidade no universo dos games”, comenta esse emprego demasiado da palavra “avatar” desde Snow Crash: “Os usuários (...) utilizavam toda vez que criavam uma persona virtual, toda vez mesmo, não importando se era uma renderização em 3D (o que quase não existia no começo dos anos 90) ou simplesmente uma representação do usuário dentro de um chat” (2007, p. 3).
O mesmo aconteceu com os jogos de Role Playing Games (RPG), inicialmente baseados na fala e interpretação corpórea das aventuras e a partir de 1974 disponíveis em computador, e seus desdobramentos como os Multi-User Dungeons (MUD) ou Massively Multiplayer Online Role Playing Game (MMORPG), jogado em rede com vários participantes. Ao invés de citar o nome dos “personagens” míticos ou de ficção científica com poderes pré-definidos, específicos desses formatos, os jogadores passaram a dizer que “iam pegar o avatar do bruxo tal ou do guerreiro”, por exemplo. No site Avatar Mud é possível verificar como o termo se tornou convenção. Já na página principal, a descrição das regras do jogo Sprucing Up Sanctum diz: “(...) todos os quartos adicionados terão a assinatura do criador, dando a chance de ter seus nomes gravados na história do avatar” (Tradução minha4, Acesso em: 16/08/09).
Em mundos virtuais online, a palavra é constantemente empregada. O usuário se conecta escolhendo o avatar que deseja usar ou se a plataforma interativa permite, “confecciona” seu próprio meio de interação – na maioria das vezes “corpos” – mas há ambientes que viabilizam a criação de tudo para assumir como identidade, como é o caso do Second Life. Um “Espaguete Voador” foi uma das invenções mais excêntricas do meio. A definição do pesquisador de mundos virtuais, Antônio Mendes da Silva Filho, não deixa dúvidas quanto à classificação para os interatores: “É um ambiente no qual o usuário incorpora algum avatar (isto é, o usuário assume o papel de um personagem de um jogo ou ambiente virtual) e a partir dessa personificação ele passa a atuar e interagir (...)” (2008, p.1).


Com menor freqüência, alguns membros de comunidades virtuais e redes sociais online se referem às imagens de seus perfis como avatares. A página de instruções do Facebook menciona: “Faça o seu perfil, coloque seus avatares de outros lugares. Use a sua criatividade e desenhos legais com seus avatares em um só lugar” (Tradução minha). Nesse sentido, há sites voltados para a customização de fotos, com traços mangá ou de personagens famosos. A Fox, antes de lançar o filme Os Simpsons, disponibilizou um aplicativo de avatares do cartoon para redes sociais. Há, ainda, a versão corporificada em 3D dos cadastrados nessas redes através do aplicativo Buddy Poke com acesso livre para Orkut, Facebook, Myspace, Hi5, Netlog, Ning, Hyves, QuePasa, Friendster, entre outros da categoria.
Em novas mídias predominantemente textuais, o termo também é cunhado. Os usuários de blogs denominam suas imagens dos perfis como avatares. A página de Plínio Torres, voltada para tirar dúvidas em informática, exemplifica bem o quanto a palavra é disseminada entre os blogueiros: “Muita gente gosta de deixar suas opiniões por aqui nos comentários e alguns me perguntam como é possível deixar a foto (avatar) ao lado do comentário feito” (Acesso em 02/09/2009). O Twitter, conceituado como um “microblog” – apesar de todas as discussões geradas – inventou o verbo “Twittar” para a ação de mostrar o avatar de um microblog em um comentário gerado na página de outro. A generalização da palavra é propagada das mais diferentes formas, como é publicado no site Veja Isto: “Para nós, Avatar é a representação de uma pessoa online ou em qualquer lugar. É aquela foto que aparece no MSN, a foto que aparece no seu perfil do Orkut, a foto que aparece no seu Twitter” (Acesso em 12/09/2009).
Já em projetos envolvendo instalações artísticas, os avatares representam as mais diversas possibilidades de experiência em relação à imersão e à interação. Suzette Venturelli e Tania Fraga ao analisarem os usos dos mesmos em mundos interativos virtuais chegam a uma definição híbrida, que relembra o manifesto ciborgue de Donna Haraway:
Os avatares são seres sintéticos que, ao se deslocarem, desenham ou metamorfoseiam-se; são avatares-mestiços, resultantes da mistura de todas as raças a fomentar a bio-diversidade; são avatares-mutantes, representados por caixas cujos conteúdos são compostos por objetos: luzes, sons, links, imagens, textos, palavras e formas; eles ofertam aos participantes a possibilidade de realizarem escolhas poéticas criativas, as quais contrapõem-se aos estereótipos comerciais construídos no ciberespaço; são metáforas do desconhecido criando mundos virtuais alegóricos (...). (FRAGA, 1999).


A partir dos exemplos listados acima, pode-se afirmar que o termo “avatar” é empregado para os mais diversos usos no contexto da Cibercultura. Contudo, no universo dos games ele é reconhecido como a representação gráfica do jogador, não importando se está no videogame ou no ambiente virtual multiusuário. No livro Avatars! Exploring and Building Virtual Worlds on the Internet, Bruce Damer faz uma conceituação mais ampla: “Avatares são também chamados de: personagens, jogadores, atores virtuais, ícones ou seres humanos virtuais em outras comunidades virtuais ou mundos de jogo” (1997, p.19).
Todas essas apropriações amparam o argumento de que o avatar possui uma função didática em diferentes mídias, atuando como um facilitador, um mecanismo de identificação do interator no contexto digital. Sem o uso dessas interfaces “avatarizadas”, provavelmente seria impossível para um leigo em informática decifrar códigos em HMTL ou outras linguagens, e executar qualquer ação na internet. Nesse aspecto, deve-se levar em conta o desenvolvimento das capacidades implícitas nesses avatares em games, ambientes de realidade virtual, redes sociais e outros meios digitais como um recurso de incremento de habilidades mentais, sensoriais e sociais.

Notas

1 Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, o termo avatar: “(1) Rubrica: religião – na crença hinduísta, descida de um ser divino à terra, em forma materializada [Particularmente cultuados pelos hindus são Krishna e Rama, avatares do deus Vixnu; os avatares podem assumir a forma humana ou a de um animal.]; (2) processo metamórfico; transformação, mutação”.
2 Livre tradução de:” […] an avatar as the representation of a user’s identity within a multi-user computer environment”.
3 Livre tradução de: “Thus, while many, at least for social interaction,prefer to use humanoid avatars [Becker and Mark, 2002, Cheng et al., 2002] and most software treats avatars in special ways, there are in general no obstacles to having non-humanoid avatars […]”
4 Tradução livre para: “[…]all added rooms will have their creator’s signature on them, giving entrants a chance to have their names etched in Avatar’s history.



http://www.contemporanea.uerj.br/pdf/ed_15/contemporanea_n15_10_Silva.pdf

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